Artigo de opinião

A busca pela excelência científica: competição tóxica e seus efeitos negativos


750 5min

Escrito por Lisiane Müller em 04/05/23.

A busca pela excelência científica: competição tóxica e seus efeitos negativos

Atualizado em: 17/07/23

"A competição quando estimulada de forma exagerada pode levar cientistas à adotarem práticas questionáveis."

    A busca pela excelência científica é um dos principais objetivos da ciência e é através dela que temos visto descobertas valiosas para o avanço do conhecimento e da humanidade. Para alcançá-la, cientistas precisam pautar sua atuação com base em rigorosos padrões metodológicos, garantindo a integridade e transparência de dados, além de estarem sempre abertos à inovação. Mas o caminho para a excelência, muitas vezes, envolve uma intensa competição entre grupos de pesquisa e pesquisadores. A pressão para publicar artigos em revistas de alto impacto, a concorrência para obter financiamentos e conseguir posições acadêmicas de destaque tem fomentado uma cultura de competitividade tóxica com diversos efeitos negativos para a própria ciência.

      A competição é um comportamento humano natural, uma parte intrínseca da nossa natureza e que pode ser uma fonte de motivação e estímulo. Quando saudável, ela pode estimular indivíduos a trabalharem mais arduamente e a se esforçarem para alcançar algum objetivo.

      Na academia científica, a competição saudável pode levar a um maior interesse pela pesquisa, inovação e pela busca por novas descobertas. Esse ambiente costuma estimular cientistas a responder perguntas, superar colegas e buscar soluções criativas e inovadoras para problemas científicos complexos. Além disso, um ambiente competitivo também pode estimular a colaboração entre cientistas de diferentes áreas e instituições, proporcionando avanços em diversas áreas do conhecimento. A competição quando estimulada de forma exagerada,  no entanto, pode levar cientistas a adotarem práticas questionáveis.

       A competitividade tóxica possui diversos impactos negativos no ambiente acadêmico, podendo prejudicar não apenas a qualidade de pesquisas, como também a própria saúde mental de pesquisadores. Falta de comunicação e colaboração, dificuldade de acesso a dados e materiais, atritos entre colegas, fofocas, esgotamento emocional, síndrome do pequeno poder, alta rotatividade - tudo isso pode fazer parte da sua realidade caso você trabalhe em um ambiente científico tóxico em relação à competição. Mas como fugir dessa cultura? Para propor uma solução, podemos utilizar as redes sociais como exemplo.

Eu imagino que já tenho passado pela sua mente que quando a sua página do Instagram tem números baixos e a do seu concorrente números altos, isso acontece porque o conteúdo dele deve ser melhor que o seu, correto? Numa clássica lógica competitiva. Mas a verdade é que o algoritmo do Instagram não compara resultados entre concorrentes para recomendar o melhor conteúdo para os usuários. Ele recomenda o seu conteúdo com base nos números de alcance da sua própria página: quanto maior o engajamento na sua rede, mais os seus conteúdos serão recomendados para novas pessoas. Em um efeito bola de neve.

         Portanto, não se trata de você precisar superar os números da concorrência para ter mais visibilidade nas redes. Acreditar nisso é uma besteira. O sucesso da sua página no Instagram está diretamente relacionado à qualidade e frequência do seu conteúdo. Acessar o trabalho de um concorrente para ter ideias, inspirações, para você aprender coisas novas e, porque não, até para propor colaborações é um sinal de competição saudável. Mas se você quiser atingir maior excelência em suas redes, precisará investir em melhorias constantes no seu próprio trabalho.

    De maneira semelhante, na ciência - um campo intrinsecamente colaborativo e multidisciplinar - serão os seus próprios resultados que te levarão à uma jornada de sucesso. Ainda que haja essa pressão constante por resultados e publicações, é importante entender que a colaboração em equipe, uma ótima comunicação e um ambiente de trabalho saudável são elementos-chave para se alcançar resultados ainda mais significativos. Portanto, mantenha o foco em seus objetivos e trabalhe em equipe sempre que puder.

      Mas e se você já estiver em um ciclo de competitividade tóxica na sua universidade ou laboratório? É crucial que você cuide da sua saúde mental, não se isole e se defenda. Como? Uma primeira opção é procurar uma rede de apoio dentro da própria universidade, através de serviços de aconselhamento que poderão ajudá-lo(a) a entender melhor seus direitos e opções, além de fornecer suporte emocional. A coordenação e/ou o Centro acadêmico do seu curso são boas opções. Em casos mais graves, você também pode recorrer à apoios externos, como aconselhamento jurídico ou psicológico. Sempre que puder também procure por artigos e leituras sobre cultura organizacional e qualidade de vida no trabalho. Esta não é uma atividade muito estimulada no meio acadêmico, mas ao entender melhor sobre esses temas, você poderá identificar com mais facilidade práticas saudáveis e tóxicas entre você e seus colegas, reconhecer melhor os seus limites, além de estar mais suscetível à informações que te façam desenvolver maiores habilidades em comunicação e resolução de conflitos.

      Lembre-se cientista: Você tem o direito de se sentir seguro e respeitado no ambiente acadêmico, não devendo tolerar nenhum tipo de abuso. Esteja sempre atento(a) e não deixe que a competitividade tóxica impacte negativamente a sua forma de trabalhar. Valorize sempre a colaboração, a competição saudável e a integridade da sua jornada científica.

Lisiane Müller

Lisiane Müller


Comunicadora científica do Coractium. Bioarqueóloga, pós-graduanda em Data Science e Analytics na USP-Esalq, Mestra em Ciências pelo Departamento de Genética e Biologia Evolutiva da USP (2021) e Bacharela em Ciências Biológicas pela UNIRIO (2014). Atualmente, estou focada em projetos de comunicação pública de ciência, com ênfase em inovação, dados, educação digital, produção multimídia e programação.


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Comentários:

Raphael Resende Breitschaft
Raphael Resende Breitschaft, 08/03/24

Ótimo texto